27 outubro 2010

Uma história dos nossos dias

OS PERIGOS DA INTERNET
 
Um dia, o lobo mau acordou de muito mau humor e cheio de fome. Um lobo gentil teria, sem dúvida, tentado encontrar trabalho para ganhar dinheiro e comprar comida. Mas este lobo não estava para se maçar. Queria fazer algo de mais espectacular na sua vida do que apanhar o metro e ter um emprego decente.
Pensou em apanhar miúdos à saída da escola em troca de bombons; contudo, viu logo que a ideia não funcionaria porque as crianças não são estúpidas e já conhecem a história do "Tenho um cãozinho na minha carrinha, queres vir vê-lo?" e do "Que tal vires a minha casa experimentar a minha superconsola de jogos?" A culpa desta esperteza era dos pais, que os avisavam de toda a espécie de perigos.
O que ele tinha de fazer era passar despercebido, fazer-se invisível. Foi então que um clarão de inteligência iluminou o seu pobre cérebro: a Internet, claro! Graças à Internet, podia atrair todas as crianças que quisesse. Nunca mais teria fome. A Internet permite entrar em contacto com milhares e milhares de porquinhos sem ter de sair de casa. Pensou num nome para o seu sítio da Internet, um nome que atraísse as crianças:
Neste sítio, as crianças podiam jogar 24 horas sobre 24, mudar de mãe, e comer bombons grátis a toda a hora. Também instalou anúncios mentirosos sobre como sair de casa sem que os pais vejam, como duplicar a mesada, etc. Para receber documentação sobre tudo isto, era preciso que as crianças escrevessem o seu nome, a sua morada, o nome da sua escola e o seu horário.
Um dia, um capuchinho vermelho foi à Internet procurar material para um trabalho escolar. Viu o anúncio das bolachas de manteiga e respondeu logo. Até porque ofereciam um cãozinho parecidíssimo com o Milu. Já ia clicar em ENVIAR quando a mãe entrou no quarto.
— Capuchinho! Ainda estás ao computador?
— Estou a escrever o nome da minha escola. Vão oferecer-me bolachas de manteiga e um cãozinho de prenda.
— Deves estar a sonhar, filha. Por que razão um desconhecido havia de dar-te tudo isso? Todos os dias se ouve falar de raptos de crianças por pessoas que lhes fazem muito mal. Nunca deves dar o teu nome ou morada, seja onde for. As pessoas que te querem dar prendas querem obter algo com isso. Algo que te custará muito caro!
Do outro lado da cidade, os três porquinhos também tinham visto este sítio na Internet. O mais novo, que era também o mais preguiçoso e o mais distraído, viu o anúncio "Se queres ter uma casinha em tijolo sem trabalho, clica aqui". Antes de o poder fazer, o mais velho, que estava atento, exclamou:
— Vejam só o que ele inventou desta vez para nos apanhar! Ninguém constrói uma casa sem esforço!
Quando o lobo viu que não tinha mensagens nenhumas, ficou furioso. Com crianças assim, nunca conseguiria nada… Três dias depois, recebeu um telefonema da raposa e contou-lhe o que tinha feito.
— Deste muito nas vistas — comentou a raposa. — Tens de disfarçar melhor. Precisas de abrir um chat, um fórum de discussão. Arranjas um pseudónimo para que ninguém te conheça e está feito. É assim que se apanham galinhas no século XXI. E eu que o diga, que apanhei cinco ou seis assim.
O lobo meteu patas ao trabalho e começou a escrever no teclado: "Boa tarde, o meu nome é Porcino e queria falar com porquinhos, coelhos e ovelhas. Queria saber como lutar contra o lobo mau."
Claro que obteve milhares de respostas. "Tens de fazer muitas perguntas. Como os lobos têm um cérebro minúsculo, ficam logo confusos", dizia um. "É preciso dar-lhes um bom pontapé, que eles desaparecem logo", adiantava outro. "Não gosta de caçadores nem de espingardas, e muito menos de mães que estão sempre atentas", comentava um terceiro.
"Obrigado pelas óptimas ideias" escreveu o lobo. "Gostariam de receber um pacote de bolachas? É só dar-me o vosso endereço." "Nem pensar! Eu nem me chamo capuchinho vermelho; chamo-me raposa azul", foi a primeira resposta. "E que tal tentarmos encontrá-lo nós próprios? Mas nada de dizer aos pais. É um segredo nosso", insistiu o lobo. "A minha mãe diz que não se devem partilhar segredos com desconhecidos. O senhor nem me conhece e já pede a minha morada. Vou denunciá-lo. Ainda um dia destes o vemos atrás das grades", foi a segunda resposta.
O lobo desistiu deste negócio da Internet e decidiu vender o computador e comprar comida.

Sophie Carquain
podestertudooquequiseres.com.
Petites histoires pour devenir grand (2)
Paris, Albin Michel, 2005
(Tradução e adaptação

Sem comentários:

Enviar um comentário